A retirada da Parler do ar pela Amazon, que na manhรฃ desta segunda-feira (11/1) encerrou a hospedagem da rede social em seu serviรงo de nuvem AWS por causa de conteรบdo ofensivo e violento, foi um baque para os simpatizantes de Donald Trump e de uma vasta rede de conspiracionistas e extremistas.

Eles haviam acorrido ร  rede sobretudo depois que o presidente americano fora banido das demais plataformas globais, em parte atraรญdos pela ausรชncia de moderaรงรฃo e tambรฉm em protesto contra o que consideram censura das gigantes digitais. 

No mesmo dia, o CEO da Parler, John Matze, deu entrada em um processo judicial nos Estados Unidos acusando a Amazon de quebra de contrato e motivaรงรฃo polรญtica. Para a revista especializada Techcrunch, as alegaรงรตes sรฃo โ€œfantasiosasโ€ e desmentidas com evidรชncias dentro do prรณprio processo. Veja aqui a รญntegra da petiรงรฃo inicial.

 

Em curva ascendente 

Os nรบmeros da Parler nรฃo se comparam aos do Twitter. Mas ela foi abatida em voo ascendente. Segundo a empresa de monitoramento Sensor Tower, menos de 24 horas depois de o presidente americano perder seu palanque virtual no Twitter, a rede fundada em 2018  havia alcanรงado a lideranรงa em downloads na Apple Store nos Estados Unidos no sรกbado (9/1).  

Atรฉ sair do ar, tinha registrado 10,8 milhรตes de downloads, a maioria de usuรกrios americanos, dos quais 9,6 milhรตes ingressaram em 2020. Nos primeiros dias de 2021 o aplicativo foi baixado 864 mil vezes, sendo 696 mil nos Estados Unidos. 

Enquanto debate-se a respeito da autoridade de empresas privadas para remover conteรบdo por decisรฃo prรณpria, diversas redes alternativas avanรงam disputando o legado de Donald Trump e seus simpatizantes. Nรฃo รฉ pouca coisa: 88 milhรตes de seguidores no Twitter, variando de indivรญduos alinhados ao pensamento conservador a extremistas e teรณricos da conspiraรงรฃo de movimentos como o QAnon. 

Uma das favoritas รฉ a prรณpria Parler, caso consiga voltar ao ar. O CEO John Matze postou no domingo (10/1) uma mensagem dizendo acreditar que se houvesse o banimento da Amazon a rede estaria de volta em uma semana.

Uma hora antes de perder a hospedagem, no entanto, foi mais pessimista, dizendo que ela provavelmente ficaria inacessรญvel por mais tempo, jรก que outros serviรงos de nuvem nรฃo queriam aceitรก-la devido ao discurso de Amazon, Google e Apple na imprensa. 

 

Trumpnet? 

Hรก a possibilidade de o prรณprio Trump criar a sua rede. Ele chegou a revelar tal plano depois de banido ou suspenso da maioria das plataformas pela conta oficial do Governo americano @POTUS, em uma postagem removida em seguida pelo Twitter: 

โ€œTemos negociado com vรกrios outros sites, e teremos um grande anรบncio em breve, enquanto tambรฉm olhamos para as possibilidades de construir nossa prรณpria plataforma em um futuro prรณximo. Nรณs nรฃo seremos silenciados!โ€

Curiosamente, o nome Trumpnet chegou a ser registrado pelo entรฃo empresรกrio Trump em 1990, como aparece no portal Justia. Em uma internet incipiente, restrita e lenta, nรฃo era uma rede social o objetivo do registro โ€“ abandonado por inatividade โ€“ e sim serviรงos de telecomunicaรงรตes. 

Os passos do homem em vias de deixar a Presidรชncia americana pela porta dos fundos sรฃo difรญceis de prever. Mas ele nรฃo precisa de uma rede prรณpria, pois hรก outras alรฉm da Parler fazendo o serviรงo para ele e para outros lรญderes alinhados a Trump.

Gab, com servidores prรณprios, garante acesso 

A Gab foi fundada em 2016 por Andrew Torba, que tambรฉm รฉ o CEO. Virou uma das queridinhas de extremistas de direita. Apresenta-se como um canal para a liberdade de expressรฃo, e por isso reรบne grupos que falam livremente de violรชncia a discurso de รณdio. A aparรชncia lembra a do Twitter. 

Torba alardeou em uma postagem de 6/1 que o trรกfego no site havia aumentado 40%. Trรชs dias depois ele celebrou a conquista de mais de 10 mil usuรกrios por hora, com 12 milhรตes de visitas. Na manhรฃ desta segunda-feira, quando a Parler era despejada dos servidores da Amazon, ele comemorava 600 mil novos โ€œgabbersโ€. 

Chegou a tripudiar sobre o sufoco enfrentado pela Parler, lembrando que utiliza servidores prรณprios e por isso nรฃo corria o risco de sair do ar. 

Outra vantagem competitiva da Gab รฉ que ela nรฃo exige uma conta para ver o que se fala por lรก. Apenas pelo navegador qualquer um pode ter acesso ao conteรบdo postado pelos membros, o  que a torna mais difรญcil ainda de ser bloqueada. E mais bem posicionada para difundir conteรบdo sem demandar identificaรงรฃo do quem a visita. 

O curioso รฉ que a Gab usa o Twitter para conclamar seguidores, em @getongab. Apresenta-se como uma rede que valoriza a liberdade de expressรฃo, a liberdade individual e o fluxo livre de informaรงรตes online. E lembra que รฉ feita na Amรฉrica por americanos. Mais nacionalista impossรญvel. 

Leia mais sobre a Gab aqui

MeWe, um negรณcio de verdade 

Correndo por fora vem aMeWe,outra rede americana apoiada no discurso de liberdade e privacidade, posicionando-se como antiFacebook. Em novembro, quando os downloads da Parler explodiram nos Estados Unidos, ela ficou em segundo lugar na Apple Store, atraindo os descontentes com a moderaรงรฃo nas outras redes, entre os quais muitos extremistas. Hรก grupos de apoio a Trump, postagens em suporte aos eventos de Washignton classificados com desobediรชncia civil e tambรฉm de movimentos como o Qanon.

No fim de semana subsequente aos conflitos na capital americana, o CEO Mark Weinstein disse estar com quase 15 milhรตes de membros. O lema da MeWe รฉ  โ€œSua vida pessoal nรฃo estรก ร  vendaโ€. 

 

A performance aponta para um negรณcio sรฉrio. Foi nomeada a Empresa de Mรญdia Social Mais Inovadora em 2020 pela Fast Company, a Melhor Empresa Empreendedora da Amรฉrica em  2019 pela Revista Entrepreneur e Finalista de Startup do Ano na SXSW. Em outubro passado, contava com 9 milhรตes de usuรกrios.  

Um dos membros do conselho รฉ o cientista da computaรงรฃo britรขnico  Sir Tim Berners-Lee  (um dos inventores da World Wide Web). Para ele, a โ€œMeWe devolve o poder da internet ร s pessoas com uma plataforma construรญda para colaboraรงรฃo e privacidadeโ€. 

No Fรณrum de Governanรงa da Internet em Berlim, em 2019, Berners-Lee foi um dos que lanรงaram o Contrato para a Web, uma iniciativa para persuadir governos, empresas e cidadรฃos a se comprometerem com nove princรญpios para impedir o โ€œuso indevidoโ€, com o aviso de que โ€œse nรฃo agirem agora โ€“ e ajam juntos โ€“ para evitar que a web seja mal utilizada por aqueles que querem explorar, dividir e minar, corremos o risco de desperdiรงar seu potencial para o bemโ€. 

Em uma entrevista ร  Revista Rolling Stone em 2019, quando a rede comeรงou a se destacar como destino de extremistas excluรญdos de outras redes, o fundador e CEO Mark Weinstein disse: โ€œEu sou um dos caras que inventou a mรญdia socialโ€. Com um diploma da UCLA School of Management, Weinstein criou em 1998 o que a revista classificou como um precursor dos grupos de Facebook, chamado SuperGroups, que permitia criar comunidades. 

O CEO da MeWe afirmou em palestra na TedX que estamos vivendo o โ€œmaior evento socioeconรดmico da histรณria da humanidade, o โ€˜capitalismo de vigilรขncia'โ€, criticando abertamente o modelo de negรณcios do Facebook e de outros gigantes da mรญdia social atual, que a seu ver รฉ o de rastrear, analisar e monetizar dados de usuรกrios.

A MeWe diz estar liderando a revoluรงรฃo da privacidade nas mรญdias sociais. A rede social possui uma Declaraรงรฃo de Direitosapresentada como โ€œdestinada a dar a seus usuรกrios total controle de seus dados e privacidadeโ€. 

Sem anรบncios, tem um modelo de receita freemium que oferece aos usuรกrios a experiรชncia de mรญdia social bรกsica gratuita e pacotes opcionais como armazenamento extra (US$ 3,99 por mรชs), chamadas de voz e vรญdeo ao vivo (US$ 1,99 por mรชs) e jornais MeWe (US$ 1,99 por mรชs).

Chegou a enfrentar dificuldades com o excesso de inscriรงรตes, mas comemorou o sucesso e pode ganhar mais diante da ausรชncia da Parler. 

 

Rumble, alternativa para o YouTube 

Os insatisfeitos com a moderaรงรฃo das plataformas globais tambรฉm fizeram inflar os nรบmeros de audiรชncia do site de compartilhamento de vรญdeosRumbledesde que Joe Biden foi anunciado vencedor das eleiรงรตes americanas.

Na home hรก em destaque um vรญdeo mostrando um adorรกvel momento com um filhote de leopardo. Mas uma busca rรกpida por QAnon traz uma enorme lista de vรญdeos sobre o grupo extremista. E vรญdeos em apoio ao atual presidente americano depois dos conflitos registrados em Washington na semana passada indicam que seus seguidores estรฃo por lรก.

 

 

Alรฉm de poucas exigรชncias e pouca moderaรงรฃo, tem uma vantagem adicional para os criadores: paga melhor do que o YouTube. O Rumble conta com parcerias de sites como MTV, Xbox, Yahoo e  MSN. Segundo a Tech Times, devido ร s parcerias, os usuรกrios recebem para fazer upload de seus vรญdeos para esses parceiros usarem. Se um vรญdeo for aprovado, o criador recebe US$ 50. Se o vรญdeo chegar ร  pรกgina inicial, ganha mais de US$ 100.

 

The Donald.win

 

Muito parecido com seu antecessor, apresenta-se como โ€œnรฃo politicamente corretoโ€ e diz que รฉ um lugar para apoiadores de Trump. Afirma desencorajar o racismo e โ€œcomentรกrios que violam as leis em sua jurisdiรงรฃo ou nos Estados Unidosโ€. Apesar disso, hรก uso extensivo de linguagem chula, sexista e homofรณbica. 

Os usuรกrios podem votar nas postagens, e atรฉ pedir a exclusรฃo de quem nรฃo se alinhe ร s regras.  Nรฃo se sabe exatamente quem o criou, mas sites especializados apontam que poderia ser um dos 30 moderadores, que atende pelo apelido Shadowman3001.  

 

DLive, site de vรญdeos reunindo extremistas 

O DLive รฉ um serviรงo de streaming de games adotado maciรงamente por supremacistas brancos e neonazistas americanos, uma alternativa ao YouTube sem moderaรงรฃo.

O blog Hatewatch, que acompanha movimentos da extrema-direita nos Estados Unidos, registrou pelo menos cinco contas no DLive transmitindo ao vivo o protesto de quarta-feira passada em Washington, uma delas sob o nome de Murder the Media (morte ร  imprensa). 

Alasca Assado

 

O serviรงo foi fundado por Charles Wayn em dezembro de 2017. Ele figura na lista de ex-alunos da Universidade de Berkeley, com um diploma de Economia Ambiental. O DLive estรก no serviรงo de compartilhamento de arquivos peer-to-peer BitTorrent. 

A atuaรงรฃo do DLive parecer ir alรฉm da plataforma de vรญdeos. A Hatewatch afirma que a empresa pagou centenas de milhares de dรณlares a extremistas desde sua fundaรงรฃo, principalmente por meio de doaรงรตes de criptomoedas incorporadas a um serviรงo fornecido pelo site.

Em novembro passado, havia relatado que o nacionalista branco Nick Fuentes, que apareceu com destaque nos protestos no Capitรณlio, gerou dinheiro atravรฉs do DLive em um ritmo que corresponde a um salรกrio de seis dรญgitos. 

Depois dos conflitos da semana passada, Wayn publicou em suas redes sociais statements declarando que a rede nรฃo apoia a violรชncia e anunciou a expulsรฃo de membros envolvidos com o caso de Washington. 

 

E agora? 

Apesar de iniciativas isoladas, o problema do extremismo nas redes sociais, seja nas plataformas globais ou em sites menores, lembra a metรกfora gasta do queijo suรญรงo: cheio de buracos. 
Expoentes do trumpismo perderam por enquanto seu espaรงo na Parler. O senador do Texas Ted Cruz tinha 4,9 milhรตes de seguidores na plataforma, enquanto Sean Hannity, apresentador da Fox News, tinha cerca de sete milhรตes.
Mas continuam em outras redes, enquanto seguidores anรดnimos se reagrupam. Nรฃo รฉ uma questรฃo de onde de fala, e sim do que se fala. E o quanto o discurso livre รฉ aceitรกvel quando ele incita รณdio e violรชncia. 

Leia mais sobre a Parler e a Gab